romualdo lisboa

Ilhéus - BA

Fragmento Teatral

CENA ÚNICA – A RIMA JÁ AJEITADA

Numa tabuleta se lê:

A rima está ajeitada
conforme se pôde ver.
Não se assustem, por favor
Com o que aqui acontecer.
É tudo bem conhecido
do eleitor arrependido,
mas é bom para aprender.

Sala do Prefeito. Teodorico está nervoso, vai de um lado a outro. Está acompanhado de seu assessor, Malote, fiel escudeiro de todas as horas, todas as horas mesmo.

TEODORICO: Não me fale mais no assunto!
MALOTE: Mas... mas... Teodorico...
TEODORICO: Home, eu num já lhe disse?
MALOTE: O senhor já é tão rico.
TEODORICO: Malote, meu fí, eu falei...
MALOTE: Já sei, não precisa fazer bico.

TEODORICO: Num teve as bendita inleição?
Butei dinheiro na campanha.
Comprei voto como a porra,
agora que eu tô na manha,
tão quereno me expulsar?
Pois aqui ninguém me apanha.

MALOTE: Mas, meu prefeito...
TEODORICO: Num saio nem fudeno.
MALOTE: Mas, Teodorico...
É o povo quem tá quereno.
TEODORICO: O povo! Que porra de povo!
MALOTE: Tu acaba se perdeno.

TEODORICO: Num assino de jeito nenhum!
MALOTE: Mas assim tu fica só.
TEODORICO: Só tem um ano. Quer me fudê?
Num saio e desato esse nó.
MALOTE: Então lascou-se tudo,
e a coisa virou pó.

TEODORICO: Se eu assinar o documento
É a minha perdição.
MALOTE: Se num assinar dá no mesmo,
já te chamam de ladrão.
TEODORICO: Num acredito que tu queira
que eu assine a cassação.

MALOTE: É a maldita cassação
ou tu fica encrencado.
TEODORICO: Mais do que isso é impossível,
eu já tô todo lascado.
MALOTE: Mas pode ficar pior,
se parar no juizado.

Aí é tanta confusão,
processo, julgamento,
apuração de contas.
Vão cobrar nesse momento.
TEODORICO: Num assino, num assino.
E nem dou depoimento.

MALOTE: O pobrema, Teodorico
é tu bater na chefatura Federal,
vai ser preso e humilhado
até em rede Nacional.
Pode um dia ser lembrado
como um grande marginal.

TEODORICO: Mas o que foi que eu fiz?
MALOTE: Nada! Nada mesmo Prefeito.
Esse é o táli do problema:
toda causa tem efeito.
TEODORICO: Tu é quem tá dizeno,
pelo povo fui eleito.

Distribuí muita cumida,
galinha, peixe e pão,
todo povo está feliz
com minha dedicação.
Diga que num foi, diga?
MALOTE: Dizeno na vera, num foi não.

Nós compramo as comida
super-faturamo as nota feita,
só compramos a metade.
distribuimo tudo na treita,
cadinho aqui, cadinho ali,
e faturamo uma nota preta.

TEODORICO: E foi? Foi? Tava inté isquicido.
MALOTE: Lembra da sua última viagem?
TEODORICO: Lembro muito, sim senhor.
MALOTE: Ganhou dinheiro, fez sacanagem.
TEODORICO: Nisso tu tá certo!
Eu só quis levar vantagem.

MALOTE: E o senhor que autorizou.
Eu até falei: vai dar na pinta,
é muito, muito dinheiro mesmo,
talvez o povo não sinta.
Mas na Câmara, os Vereador?
Não vai ter esse que minta.

juntou a esses desvios
outros mais...
TEODORICO: isso eu num sei.
Pra isso contratei muita gente,
MALOTE: É... eu bem que te avisei.
Contratou tanto parente,
Filha, genro...
TEODORICO: ...até gay.

MALOTE: Isso é outra história
Outro tipo de situação
Opção sexual e competência
Nepotismo né isso não
Estamos falando aqui
Do DNA da corrupção.

Cada qual desviando o seu.
Na hora dos projetos, na ação
da saúde, limpeza, saneamento,
transporte, turismo, educação,
num dava pra fazer nada.
Dinheiro num tinha não.

TEODORICO: Ô, seu fí da peste!
De que lado tu tá mermo?
MALOTE: Ave Maria! Teodorico.
Sem tu ficarei a ermo,
Perdido, sem pé nem mão.
Fico com tu, até enfermo!

(Fragmento de Teodorico Majestade: as últimas horas de um prefeito)

Romualdo Lisboa é diretor e dramaturgo. É um dos fundadores do Teatro Popular de Ilhéus.

ouça a entrevista:

Apresentação Critica

Em 1995 nasceu o Teatro Popular de Ilhéus. Um grupo de teatro sediado na cidade de Ilhéus, sul da Bahia, que, com mais de 25 anos de história, segue ativo até os dias atuais. O coletivo idealizado por Équio Reis, da primeira turma da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia e um dos fundadores da Companhia dos Novos e do Teatro Vila Velha, em Salvador, tem entre seus membros fundadores Romualdo Lisboa. Como boa parte dos grupos de teatro, os integrantes se dividem na execução de todas as funções necessárias à manutenção do coletivo, inclusive no que diz respeito à materialização dos espetáculos e das suas temporadas. Quando, nos primeiros anos do Teatro Popular de Ilhéus, Equiél montou um grupo de pesquisa em dramaturgia, Romualdo fez parte dessa iniciativa. Nele, estudaram desde os dramaturgos clássicos gregos até os dramaturgos brasileiros contemporâneos e, nesse contexto, Romualdo assinou, sua primeira dramaturgia, uma adaptação de um conto de Tchekhov: A feiticeira.

Desde então, Romualdo segue escrevendo para o grupo textos assinados tanto coletivamente quanto individualmente e, com o falecimento de Equiél no ano de 2001, também assume a direção dos espetáculos adultos do coletivo. Os textos do dramaturgo são feitos para e a partir do Teatro Popular de Ilhéus. Sempre mobilizado pelo desejo de falar da cidade e de sua conexão com o mundo, escolhe os temas de suas obras a partir de inquietações que nascem no contexto do grupo, quando juntos decidem tornar público os debates e suas buscas por respostas relacionadas às questões que levantaram. Por isso, talvez, Romualdo não considera escrever um processo solitário. Ele escreve para responder aos desafios que os atores lhe colocam em discussões, cenas e improvisos e também para desafiá-los de volta ao imaginar os textos saindo de suas bocas. Existe um jogo de intimidade e tensão que mantém sua produção viva.

Em 2006, Romualdo Lisboa escreveu Teodorico Majestade: as últimas horas de um prefeito, primeira peça de repercussão do grupo que segue em cartaz até hoje e que, inclusive, ganhou uma versão on-line durante a pandemia. O texto, todo escrito em cordel, apresenta os últimos momentos de governo de um prefeito corrupto em seu mandato e gabinete, pressionado pela população a deixar o cargo após o vazamento de escândalos de desvio de verbas nos quais estava envolvido. Além da indicação ao prêmio Braskem de Teatro da Bahia e da circulação nacional, a peça impactou diretamente a população de Ilhéus e teve um papel bastante relevante na cassação do mandato do prefeito da cidade na época, figura pública que havia inspirado a construção do personagem Teodorico.

Entretanto, o clima de insatisfação popular com a gestão pública em Ilhéus não desapareceu com a cassação do prefeito, uma vez que o vice, também envolvido nos escândalos de corrupção em questão, assumiu. O que levou o dramaturgo a escrever uma versão própria da peça de Gogol, intitulada O Inspetor Geral – sai o prefeito, entra o vice. O texto, também formatado em cordel, fez uma temporada em São Paulo, ganhando uma indicação ao prêmio Shell.

Vinculado a um teatro político, percebe-se no trabalho do dramaturgo uma forte influência dos textos de Bertold Brecht, em diálogo com seu interesse pela cultura popular e canções de trabalho. Aspecto possível de ser observado também no texto 1789, escrito em 2013. Nesse trabalho, discute-se uma revolta promovida por escravizados no Engenho de Santana, localizado no sul da Bahia, em 1789, aproximando o evento histórico e seus personagens da experiência do grupo, sua luta política e sua luta sindical. Na ocasião, convida membros do terreiro Matamba Tombenci Neto, cuja história está diretamente ligada à história do Engenho de Santana, para participar do elenco.

Atualmente, Romualdo desenvolve com o grupo uma peça intitulada Sonhos, ou o que restou de nós depois da tempestade, a partir da experiência recente do grupo de perder parte importante do seu acervo num temporal. Além disso, a interrupção do processo criativo da montagem de Sonhos de uma noite de verão, em virtude da pandemia, incitou o desejo de refletir sobre os impactos da Covid-19 e do fascismo na cultura nacional, nos reconectando com o aspecto revolucionário do sonho.

Laís Machado

Romualdo Lisboa é diretor e dramaturgo. É um dos fundadores do Teatro Popular de Ilhéus.

Em 1995 nasceu o Teatro Popular de Ilhéus. Um grupo de teatro sediado na cidade de Ilhéus, sul da Bahia, que, com mais de 25 anos de história, segue ativo até os dias atuais. O coletivo idealizado por Équio Reis, da primeira turma da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia e um dos fundadores da Companhia dos Novos e do Teatro Vila Velha, em Salvador, tem entre seus membros fundadores Romualdo Lisboa. Como boa parte dos grupos de teatro, os integrantes se dividem na execução de todas as funções necessárias à manutenção do coletivo, inclusive no que diz respeito à materialização dos espetáculos e das suas temporadas. Quando, nos primeiros anos do Teatro Popular de Ilhéus, Equiél montou um grupo de pesquisa em dramaturgia, Romualdo fez parte dessa iniciativa. Nele, estudaram desde os dramaturgos clássicos gregos até os dramaturgos brasileiros contemporâneos e, nesse contexto, Romualdo assinou, sua primeira dramaturgia, uma adaptação de um conto de Tchekhov: A feiticeira.

Desde então, Romualdo segue escrevendo para o grupo textos assinados tanto coletivamente quanto individualmente e, com o falecimento de Equiél no ano de 2001, também assume a direção dos espetáculos adultos do coletivo. Os textos do dramaturgo são feitos para e a partir do Teatro Popular de Ilhéus. Sempre mobilizado pelo desejo de falar da cidade e de sua conexão com o mundo, escolhe os temas de suas obras a partir de inquietações que nascem no contexto do grupo, quando juntos decidem tornar público os debates e suas buscas por respostas relacionadas às questões que levantaram. Por isso, talvez, Romualdo não considera escrever um processo solitário. Ele escreve para responder aos desafios que os atores lhe colocam em discussões, cenas e improvisos e também para desafiá-los de volta ao imaginar os textos saindo de suas bocas. Existe um jogo de intimidade e tensão que mantém sua produção viva.

Em 2006, Romualdo Lisboa escreveu Teodorico Majestade: as últimas horas de um prefeito, primeira peça de repercussão do grupo que segue em cartaz até hoje e que, inclusive, ganhou uma versão on-line durante a pandemia. O texto, todo escrito em cordel, apresenta os últimos momentos de governo de um prefeito corrupto em seu mandato e gabinete, pressionado pela população a deixar o cargo após o vazamento de escândalos de desvio de verbas nos quais estava envolvido. Além da indicação ao prêmio Braskem de Teatro da Bahia e da circulação nacional, a peça impactou diretamente a população de Ilhéus e teve um papel bastante relevante na cassação do mandato do prefeito da cidade na época, figura pública que havia inspirado a construção do personagem Teodorico.

Entretanto, o clima de insatisfação popular com a gestão pública em Ilhéus não desapareceu com a cassação do prefeito, uma vez que o vice, também envolvido nos escândalos de corrupção em questão, assumiu. O que levou o dramaturgo a escrever uma versão própria da peça de Gogol, intitulada O Inspetor Geral – sai o prefeito, entra o vice. O texto, também formatado em cordel, fez uma temporada em São Paulo, ganhando uma indicação ao prêmio Shell.

Vinculado a um teatro político, percebe-se no trabalho do dramaturgo uma forte influência dos textos de Bertold Brecht, em diálogo com seu interesse pela cultura popular e canções de trabalho. Aspecto possível de ser observado também no texto 1789, escrito em 2013. Nesse trabalho, discute-se uma revolta promovida por escravizados no Engenho de Santana, localizado no sul da Bahia, em 1789, aproximando o evento histórico e seus personagens da experiência do grupo, sua luta política e sua luta sindical. Na ocasião, convida membros do terreiro Matamba Tombenci Neto, cuja história está diretamente ligada à história do Engenho de Santana, para participar do elenco.

Atualmente, Romualdo desenvolve com o grupo uma peça intitulada Sonhos, ou o que restou de nós depois da tempestade, a partir da experiência recente do grupo de perder parte importante do seu acervo num temporal. Além disso, a interrupção do processo criativo da montagem de Sonhos de uma noite de verão, em virtude da pandemia, incitou o desejo de refletir sobre os impactos da Covid-19 e do fascismo na cultura nacional, nos reconectando com o aspecto revolucionário do sonho.

Laís Machado

CENA ÚNICA – A RIMA JÁ AJEITADA

Numa tabuleta se lê:

A rima está ajeitada
conforme se pôde ver.
Não se assustem, por favor
Com o que aqui acontecer.
É tudo bem conhecido
do eleitor arrependido,
mas é bom para aprender.

Sala do Prefeito. Teodorico está nervoso, vai de um lado a outro. Está acompanhado de seu assessor, Malote, fiel escudeiro de todas as horas, todas as horas mesmo.

TEODORICO: Não me fale mais no assunto!
MALOTE: Mas... mas... Teodorico...
TEODORICO: Home, eu num já lhe disse?
MALOTE: O senhor já é tão rico.
TEODORICO: Malote, meu fí, eu falei...
MALOTE: Já sei, não precisa fazer bico.

TEODORICO: Num teve as bendita inleição?
Butei dinheiro na campanha.
Comprei voto como a porra,
agora que eu tô na manha,
tão quereno me expulsar?
Pois aqui ninguém me apanha.

MALOTE: Mas, meu prefeito...
TEODORICO: Num saio nem fudeno.
MALOTE: Mas, Teodorico...
É o povo quem tá quereno.
TEODORICO: O povo! Que porra de povo!
MALOTE: Tu acaba se perdeno.

TEODORICO: Num assino de jeito nenhum!
MALOTE: Mas assim tu fica só.
TEODORICO: Só tem um ano. Quer me fudê?
Num saio e desato esse nó.
MALOTE: Então lascou-se tudo,
e a coisa virou pó.

TEODORICO: Se eu assinar o documento
É a minha perdição.
MALOTE: Se num assinar dá no mesmo,
já te chamam de ladrão.
TEODORICO: Num acredito que tu queira
que eu assine a cassação.

MALOTE: É a maldita cassação
ou tu fica encrencado.
TEODORICO: Mais do que isso é impossível,
eu já tô todo lascado.
MALOTE: Mas pode ficar pior,
se parar no juizado.

Aí é tanta confusão,
processo, julgamento,
apuração de contas.
Vão cobrar nesse momento.
TEODORICO: Num assino, num assino.
E nem dou depoimento.

MALOTE: O pobrema, Teodorico
é tu bater na chefatura Federal,
vai ser preso e humilhado
até em rede Nacional.
Pode um dia ser lembrado
como um grande marginal.

TEODORICO: Mas o que foi que eu fiz?
MALOTE: Nada! Nada mesmo Prefeito.
Esse é o táli do problema:
toda causa tem efeito.
TEODORICO: Tu é quem tá dizeno,
pelo povo fui eleito.

Distribuí muita cumida,
galinha, peixe e pão,
todo povo está feliz
com minha dedicação.
Diga que num foi, diga?
MALOTE: Dizeno na vera, num foi não.

Nós compramo as comida
super-faturamo as nota feita,
só compramos a metade.
distribuimo tudo na treita,
cadinho aqui, cadinho ali,
e faturamo uma nota preta.

TEODORICO: E foi? Foi? Tava inté isquicido.
MALOTE: Lembra da sua última viagem?
TEODORICO: Lembro muito, sim senhor.
MALOTE: Ganhou dinheiro, fez sacanagem.
TEODORICO: Nisso tu tá certo!
Eu só quis levar vantagem.

MALOTE: E o senhor que autorizou.
Eu até falei: vai dar na pinta,
é muito, muito dinheiro mesmo,
talvez o povo não sinta.
Mas na Câmara, os Vereador?
Não vai ter esse que minta.

juntou a esses desvios
outros mais...
TEODORICO: isso eu num sei.
Pra isso contratei muita gente,
MALOTE: É... eu bem que te avisei.
Contratou tanto parente,
Filha, genro...
TEODORICO: ...até gay.

MALOTE: Isso é outra história
Outro tipo de situação
Opção sexual e competência
Nepotismo né isso não
Estamos falando aqui
Do DNA da corrupção.

Cada qual desviando o seu.
Na hora dos projetos, na ação
da saúde, limpeza, saneamento,
transporte, turismo, educação,
num dava pra fazer nada.
Dinheiro num tinha não.

TEODORICO: Ô, seu fí da peste!
De que lado tu tá mermo?
MALOTE: Ave Maria! Teodorico.
Sem tu ficarei a ermo,
Perdido, sem pé nem mão.
Fico com tu, até enfermo!

(Fragmento de Teodorico Majestade: as últimas horas de um prefeito)