daniela beny

Maceió - AL

Fragmento Teatral

2º Episódio

– Senta aqui pra ajudar a vó... tô acendendo uma velinha pra São Francisco de Assis, é esse daqui com o passarinho, ele protege os animais, bora rezar pra São Francisco ajudar nossa gatinha dar cria? Hoje nasce os filhotinhos porque é noite de lua cheia. São Francisco era amigo de Santa Clara, quando chove muito a vó vai lá no quintal, reza pra Santa Clara clarear o dia e joga um pedaço de sabão no telhado, se não der certo, a criança da casa desenha um sol com um pedaço de tijolo na calçada pra o céu abrir. Se não tiver criança em casa? Reza para São Pedro fechar a torneira do céu. Se for chuva de trovoada, pede para Santa Bárbara se acalma, ela é santa guerreira, quando se zanga, fica brava jogando por aí um monte de raio, de relâmpago e de trovão. Sabia que a lua cheia é lua de São Jorge? Para salvar uma princesa ele lutou contra um dragão, agora mora lá na lua, quando a lua tá cheia, chega dá pra ver ele montado no cavalo lutando com o dragão. Quem te protege aqui na Terra é São Jorge e Santa Bárbara... por isso que tu briga tanto... Esse daqui é São Sebastião, tadinho, todo amarrado e flechado, ele era um soldado, mas acabou sendo morto... Ele protege a sua mãe. Quem protege sua vó aqui é Santa Luzia, que cuida dos olhos, quando eu deixei de enxergar desse olho, mamãe me entregou à Santa Luzia, por isso que eu rezo para ela toda noite, para guardar minha visão que agora já tá indo embora. Esse gordinho aqui é o Buda, é um santo da Índia, lá do outro lado do mundo, ele é o santo da felicidade, todo Sábado a gente tem que trocar o arroz dele por um novo e colocar uma moedinha, para ele continuar feliz e gordinho... que nem minha fofinha. O pretinho aqui é o Vovô e essa é a Vovó, tem que pôr um cafezinho para ele e um chazinho para ela, eles protegem a gente, cuidam da nossa saúde, a gente tem que cuidar de quem cuida da gente... Que nem Cosme e Damião, os santinhos gêmeos, eram médicos que cuidavam de crianças, eles dão alegria para nossa casa, por isso que, toda vez que tem bolo, doce e refrigerante em casa, a vó põe um pouquinho em cima da geladeira, perto da vela do anjo da guarda. Por que a gente dá comida para o santinho? Se a gente sente fome, por que o santinho não vai sentir? Se a gente tem o que comer é porque trabalha, porque tem saúde, e a gente tem tudo isso porque eles cuidam da gente. Se a gente tem o que comer, como com o santinho também para agradecer. A gente alimenta quem a gente ama. Essa daqui não podia comer, nem sorrir coitada, escrava Anastácia, ela era uma princesa na África, olha... tá vendo? Ela tinha olho azul. Trouxeram ela como escrava, o dono dela mandou botar essa mordaça para ela não poder falar com os outros escravos, nem cantar, nem rezar... A gente reza para ela, para que nunca proíbam a gente de falar. Tudo na vida vem pela boca, a comida, a palavra... é que nem peixe, a gente tem que tomar cuidado para não morrer por ela.

(Fragmento de Voo ao solo)

Daniela Beny é professora de teatro e faz parte da Invisível Cia. de Teatro. É associada da Patacuri – Cultura, formação e comunicação afro-ameríndio.

ouça a entrevista:

Apresentação Critica

Daniela Beny, atriz, dramaturga, pesquisadora, iluminadora e professora, é um dos nomes da nova dramaturgia alagoana ao lado de Bruno Alves, Pierre Pelegrine, Abides Oliveira Júnior, Bethe Miranda e Kadu Oliveira. Dedicada ao ato de escrever desde muito jovem, escrevendo poesias e crônicas, iniciou sua escrita dramática ao mesmo tempo em que entrou para as artes cênicas como atriz de um grupo feminino de teatro e circo, em Maceió, no ano de 2003.

Nesse coletivo, Daniela Beny permaneceu por cinco anos (2003-2008), assinando quatro textos da companhia – dois escritos em colaboração e dois de sua autoria. A dramaturga era atriz do grupo, mas diante da diminuição da produção dramatúrgica na cidade, e tentando driblar a questão dos direitos autorais, assumiu a função de escrever. Além do mais, o grupo dispunha de um elenco muito pequeno e, ao lidar com muitos textos, necessitava adaptar o texto à sua realidade.

Em seu primeiro texto, Diálogo de quem não tem muito a falar (2005), desenvolveu uma história estruturada nas réplicas de dois amantes que resolvem findar sua relação. O espaço é único, a cena é curta e não há nenhum tipo de indicação prévia a respeito dos personagens. Nós os conhecemos apenas à medida em que falam um com o outro, tentando entender o que os levou ao fim e quem são agora. Na ocasião de sua montagem, o texto recebeu três versões e três finais alternativos.

Ainda no grupo, Daniela Beny assinou o texto A mãe da debutante (2007), peça que discutia a sexualidade feminina dentro de uma sociedade nos anos 1950. Na peça, a mãe se reencontra com suas frustrações e culpas relacionadas à própria sexualidade em sua juventude ao preparar a filha para a festa de debutante, evidenciando o ciclo infinito de transmissão da culpa feminina dentro de uma estrutura misógina. Esses dois textos podem ser encontrados no livro Textos (tristes) de Teatro (2021, Viva Editora), no qual Daniela Beny publica cinco de suas dramaturgias.

Em 2009, estreia Voo ao solo como atriz e dramaturga. O monólogo nasce dos diários escritos por Daniela Beny no período em que viveu em São Paulo. Uma espécie de crônicas diárias a partir de sua experiência na cidade, mas também uma revisitação de suas memórias provocadas pelo deslocamento. Apesar de dividido em episódios, a sugestão do texto é a de que exceto a primeira e última cenas sejam fixas, e que a ordem das outras seja selecionada pela plateia, tentando deixar claro a inexistência de uma linha dramática que conecte os episódios e o embaralhamento do ato de lembrar.

Na academia, Daniela Beny tem focado na pesquisa de atriz, obtendo em 2017 o mestrado em Artes Cênicas na Universidade Federal de Rio Grande do Norte (UFRN), com a dissertação intitulada Os elementos de Iansã como possibilidade para criação cênica, e no momento está cursando doutorado sanduíche pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) na Universidade de Coimbra, Portugal, com o projeto Ogumiê? Os elementos arquetípicos de Ogum como caminhos para preparação de atores e atrizes. Entretanto, como um trabalho sempre esteve conectado com o outro na trajetória da artista, sua pesquisa tem encontrado forma também em uma dramaturgia ainda em processo, que tenta dar conta das narrativas dos orixás, do universo simbólico do candomblé e da umbanda, das reflexões da artista acerca de sua posição social como uma mulher negra e de sua relação com as mulheres mais velhas de sua comunidade.

Laís Machado

Daniela Beny é professora de teatro e faz parte da Invisível Cia. de Teatro. É associada da Patacuri – Cultura, formação e comunicação afro-ameríndio.

Daniela Beny, atriz, dramaturga, pesquisadora, iluminadora e professora, é um dos nomes da nova dramaturgia alagoana ao lado de Bruno Alves, Pierre Pelegrine, Abides Oliveira Júnior, Bethe Miranda e Kadu Oliveira. Dedicada ao ato de escrever desde muito jovem, escrevendo poesias e crônicas, iniciou sua escrita dramática ao mesmo tempo em que entrou para as artes cênicas como atriz de um grupo feminino de teatro e circo, em Maceió, no ano de 2003.

Nesse coletivo, Daniela Beny permaneceu por cinco anos (2003-2008), assinando quatro textos da companhia – dois escritos em colaboração e dois de sua autoria. A dramaturga era atriz do grupo, mas diante da diminuição da produção dramatúrgica na cidade, e tentando driblar a questão dos direitos autorais, assumiu a função de escrever. Além do mais, o grupo dispunha de um elenco muito pequeno e, ao lidar com muitos textos, necessitava adaptar o texto à sua realidade.

Em seu primeiro texto, Diálogo de quem não tem muito a falar (2005), desenvolveu uma história estruturada nas réplicas de dois amantes que resolvem findar sua relação. O espaço é único, a cena é curta e não há nenhum tipo de indicação prévia a respeito dos personagens. Nós os conhecemos apenas à medida em que falam um com o outro, tentando entender o que os levou ao fim e quem são agora. Na ocasião de sua montagem, o texto recebeu três versões e três finais alternativos.

Ainda no grupo, Daniela Beny assinou o texto A mãe da debutante (2007), peça que discutia a sexualidade feminina dentro de uma sociedade nos anos 1950. Na peça, a mãe se reencontra com suas frustrações e culpas relacionadas à própria sexualidade em sua juventude ao preparar a filha para a festa de debutante, evidenciando o ciclo infinito de transmissão da culpa feminina dentro de uma estrutura misógina. Esses dois textos podem ser encontrados no livro Textos (tristes) de Teatro (2021, Viva Editora), no qual Daniela Beny publica cinco de suas dramaturgias.

Em 2009, estreia Voo ao solo como atriz e dramaturga. O monólogo nasce dos diários escritos por Daniela Beny no período em que viveu em São Paulo. Uma espécie de crônicas diárias a partir de sua experiência na cidade, mas também uma revisitação de suas memórias provocadas pelo deslocamento. Apesar de dividido em episódios, a sugestão do texto é a de que exceto a primeira e última cenas sejam fixas, e que a ordem das outras seja selecionada pela plateia, tentando deixar claro a inexistência de uma linha dramática que conecte os episódios e o embaralhamento do ato de lembrar.

Na academia, Daniela Beny tem focado na pesquisa de atriz, obtendo em 2017 o mestrado em Artes Cênicas na Universidade Federal de Rio Grande do Norte (UFRN), com a dissertação intitulada Os elementos de Iansã como possibilidade para criação cênica, e no momento está cursando doutorado sanduíche pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) na Universidade de Coimbra, Portugal, com o projeto Ogumiê? Os elementos arquetípicos de Ogum como caminhos para preparação de atores e atrizes. Entretanto, como um trabalho sempre esteve conectado com o outro na trajetória da artista, sua pesquisa tem encontrado forma também em uma dramaturgia ainda em processo, que tenta dar conta das narrativas dos orixás, do universo simbólico do candomblé e da umbanda, das reflexões da artista acerca de sua posição social como uma mulher negra e de sua relação com as mulheres mais velhas de sua comunidade.

Laís Machado

2º Episódio

– Senta aqui pra ajudar a vó... tô acendendo uma velinha pra São Francisco de Assis, é esse daqui com o passarinho, ele protege os animais, bora rezar pra São Francisco ajudar nossa gatinha dar cria? Hoje nasce os filhotinhos porque é noite de lua cheia. São Francisco era amigo de Santa Clara, quando chove muito a vó vai lá no quintal, reza pra Santa Clara clarear o dia e joga um pedaço de sabão no telhado, se não der certo, a criança da casa desenha um sol com um pedaço de tijolo na calçada pra o céu abrir. Se não tiver criança em casa? Reza para São Pedro fechar a torneira do céu. Se for chuva de trovoada, pede para Santa Bárbara se acalma, ela é santa guerreira, quando se zanga, fica brava jogando por aí um monte de raio, de relâmpago e de trovão. Sabia que a lua cheia é lua de São Jorge? Para salvar uma princesa ele lutou contra um dragão, agora mora lá na lua, quando a lua tá cheia, chega dá pra ver ele montado no cavalo lutando com o dragão. Quem te protege aqui na Terra é São Jorge e Santa Bárbara... por isso que tu briga tanto... Esse daqui é São Sebastião, tadinho, todo amarrado e flechado, ele era um soldado, mas acabou sendo morto... Ele protege a sua mãe. Quem protege sua vó aqui é Santa Luzia, que cuida dos olhos, quando eu deixei de enxergar desse olho, mamãe me entregou à Santa Luzia, por isso que eu rezo para ela toda noite, para guardar minha visão que agora já tá indo embora. Esse gordinho aqui é o Buda, é um santo da Índia, lá do outro lado do mundo, ele é o santo da felicidade, todo Sábado a gente tem que trocar o arroz dele por um novo e colocar uma moedinha, para ele continuar feliz e gordinho... que nem minha fofinha. O pretinho aqui é o Vovô e essa é a Vovó, tem que pôr um cafezinho para ele e um chazinho para ela, eles protegem a gente, cuidam da nossa saúde, a gente tem que cuidar de quem cuida da gente... Que nem Cosme e Damião, os santinhos gêmeos, eram médicos que cuidavam de crianças, eles dão alegria para nossa casa, por isso que, toda vez que tem bolo, doce e refrigerante em casa, a vó põe um pouquinho em cima da geladeira, perto da vela do anjo da guarda. Por que a gente dá comida para o santinho? Se a gente sente fome, por que o santinho não vai sentir? Se a gente tem o que comer é porque trabalha, porque tem saúde, e a gente tem tudo isso porque eles cuidam da gente. Se a gente tem o que comer, como com o santinho também para agradecer. A gente alimenta quem a gente ama. Essa daqui não podia comer, nem sorrir coitada, escrava Anastácia, ela era uma princesa na África, olha... tá vendo? Ela tinha olho azul. Trouxeram ela como escrava, o dono dela mandou botar essa mordaça para ela não poder falar com os outros escravos, nem cantar, nem rezar... A gente reza para ela, para que nunca proíbam a gente de falar. Tudo na vida vem pela boca, a comida, a palavra... é que nem peixe, a gente tem que tomar cuidado para não morrer por ela.

(Fragmento de Voo ao solo)